quarta-feira, 7 de março de 2018

O homem das bochechas pitanga

                                Foto: Annie Spratt

Conta-se que há mil anos em uma dessas terras distantes a qual ninguém mais se lembra do rei e nem das vistosas cenouras produzidas aos fundos do castelo, um homem com bochechas vermelhas como pitanga chorava a beira do caminho. As pessoas que por ali passavam se indagavam caladas ou a pequenos sussurros: será dor de luto ou dor de dente? Porém ninguém se aproximava, seja dito de passagem, nem precisava já que sua tristeza podia ser vista a milhas. Os dias passaram, a contar 130 dos 365 que o ano possui, todos os dias no mesmo horário chorava a orla do caminho.

Naquela época os homens vendiam, as mulheres cuidavam e as crianças se apaixonavam, logo cedo sim, para não perder a paixão pela vida. Amavam os pais, os pardais, as flores dos quintais, a vida simples como ela é, a tarefa de casa era nunca se esquecer do amor que há no mundo, infelizmente ao crescer nem todos faziam a tarefa de casa. 

 “O choro pode durar uma noite mas a alegria vem pela manhã” foi o que a pequena leu no calendário pendurado na parede da oficina do carpinteiro, logo lembrou do homem das bochechas pitanga e se perguntou quantos dias levariam a noite do moço.

A mãe da menina naquele dia pediu para que ela fosse trocar alguns brócolis por cenouras com o jardineiro do castelo. Catarina, colocou seu chapéu, calçou suas sandálias e pegou sua cesta. A menina saiu, andando e saltitando e sorrindo aos quatro ventos, passou pelo campo de flores e decorou seu chapéu com várias cores. Seguindo passou pelo lugar onde sempre via o homem das bochechas pitanga, só que dessa vez ele não estava lá, será que havia morrido de tristeza? Catarina ficou triste com a hipótese que criara.

Ao chegar no castelo e olhar por toda horta direcionou-se ao jardineiro que agora tinha um novo ajudante, seu nome era Pompeu, ele se parecia muito com o homem das bochechas pitanga, a diferença era que sorria e assobiava enquanto colocava sementes de girassol para alimentar os passarinhos que ali passeavam às manhãs. Catarina ficou atônita, mas com um sentimento de curiosidade feliz no coração. Se inclinou a sussurrar ao jardineiro:

- Aquele é o homem que a beira do caminho ficava a chorar?

- Por que não pergunta a ele? – O jardineiro respondeu.

Acanhada Catarina se aproximou de Pompeu e percebeu que os olhos que em lágrimas se derramavam agora brilhavam como estrelas da noite mais escura.

- Moço, por que o senhor chorava?

Com uma pausa Pompeu a olhou e respondeu:

- Porque meu coração chovia e se alagava todo dia, o ladrão roubou minha alegria.

- E agora? Seu coração não chove mais? Você pegou o que foi roubado de volta?

- Não exatamente, pequena menina, a minha alegria era coisa que a gente pegava com a mão, que o vento levava, que o gafanhoto comia, meus conceitos e pensamentos eram egoístas e pó. De manhã o dia é bem mais bonito; com os olhos sem lágrimas pude enxergar que o céu - depois de tanto tempo - ainda continuou com o brilho azul. Que nenhuma nuvem negra faz casa em cima da nossa cabeça, mas que o vento também a leva. Descobri que alegria de verdade o tempo não pode fragmentar. Que a esperança pode ser encontrada nos olhos daquele que a leva mesmo em dias ruins. Que Deus não mora longe, que Ele também anda descalço e desenha na terra com um graveto, que Ele queria enxugar minhas lágrimas o tempo todo e só eu não percebi, que o meu inimigo era meu próprio eu que se não queria enxergar o Amor que eu recusava a aceitar.

- Mas, seu Pompeu, qual é a sua alegria agora?

Com um sorriso de orelha a orelha, Pompeu olhou ao céu e respondeu:

- Saber que minha casa é o abraço de Deus.

Catarina o abraçou e agradeceu pela lição que sabia que levaria em cada um dos dias enquanto morasse nessa terra.

Na hora de dormir, pediu benção aos pais, foi pra sua cama, ajoelhou e agradeceu por entender que feliz mesmo é aquele que mora no abraço de Deus.

Vilhena, 07 de março, quarta-feira, 2018.
Joicy Vakiuti



4 comentários:

  1. Nossa Joicy!! Não sabia que tb escrevia textos literários. É como nas outras habilidades, aqui tb é ótima!!
    Parabens!

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    1. Ahhh, Nidiane! Que alegria te ver aqui <3 Muito obrigada!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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